3I/ATLAS: Um visitante interestelar em foco
O objeto 3I/ATLAS foi identificado pela primeira vez em 1 de Julho de 2025 pelo sistema Asteroid Terrestrial‑impact Last Alert System (ATLAS), no Chile. NSF - National Science Foundation A designação “3I” indica que é o terceiro objeto interestelar já confirmado a atravessar o nosso sistema solar — depois de 1I/ʻOumuamua (2017) e 2I/Borisov (2019). NASA Science Wikipedia
Análises orbitais mostram que segue uma trajetória hiperbólica, ou seja, não está ligado gravitacionalmente ao Sol de forma estável — marcando-o como proveniente de fora do nosso sistema solar. OUP Academic
O que sabemos para já?
A sua aproximação ao Sol (periélio) em 29 ou 30 de Outubro de 2025, a uma distância de cerca de 1,4 AU (≈ 210 milhões km) do Sol, ou seja, entre as órbitas da Terra e de Marte. NASA Science
A mínima aproximação à Terra será de cerca de 1,8 AU (≈ 270 milhões km), o que significa que não representa perigo para o nosso planeta. NASA Science
Estimativas baseadas no Hubble Space Telescope sugerem que o núcleo sólido tem um tamanho de até ≈ 5,6 km (mas poderia ser bem menor, talvez centenas de metros) — ainda há muita incerteza. NASA Science
Em termos de composição, observações infravermelhas com James Webb Space Telescope (JWST) mostram que a coma (nuvem de gás/poeira) é dominada por dióxido de carbono (CO₂), com uma mistura CO₂/H₂O muito alta — sugerindo que 3I/ATLAS poderia conter ices residuais mais “primordiais” ou ter origem diferente dos cometas típicos do nosso sistema solar. arXiv
Outro estudo detectou a produção de água (via emissão de hidroxila, OH) ainda longe do Sol (a ~3,5 AU), indicando actividade de gelo numa distância onde normalmente cometas do nosso sistema esperam estar mais “dormentes”.
Comparação com cometas “normais” do nosso Sistema Solar
Com um cometa típico do Sistema Solar, quando ele se aproxima do Sol, o calor faz com que gelo (água, CO, CO₂) sublime – criando uma coma visível e frequentemente uma cauda apontando para fora (devido à pressão do vento solar e radiação).
No caso de 3I/ATLAS, embora apresente coma e actividades gasosas, há algumas diferenças: por exemplo, a elevada proporção de CO₂ relativamente à H₂O é incomum. arXiv
A estrutura da cauda/poeira observa-se também que as partículas dominantes podem ser maiores do que nos cometas típicos — o que afeta como a cauda se forma e evolui por influência da radiação solar e pressão do vento solar. arXiv
O 3I/ATLAS comporta-se de forma semelhante em alguns aspetos (sublimação, coma, poeira), mas a sua origem e condição provavelmente diferente (passou muito tempo no espaço interestelar) podem fazer com que seja “mais antigo”, mais processado, com composição diferente — o que o torna especial para estudo.
Por que a sua aproximação ao Sol em outubro/dezembro é importante
Uma aproximação ao Sol relativamente “próxima” (1,4 AU) significa que o calor solar e a radiação vão actuar fortemente sobre 3I/ATLAS, ativando ices, gerando jets de gás e poeira, e possivelmente provocando fragmentação ou alteração estrutural. Isso dá aos cientistas uma oportunidade rara: observar como um objeto que não pertence ao nosso sistema reage às condições solares.
Durante essa fase, podemos aprender mais sobre a sua composição, estrutura interna e história — por exemplo, se material profundo for exposto, se há ices voláteis residuais, se o objeto se fragmenta ou mantém-se.
Se resistir à “passagem quente” sem se desintegrar, isso indicaria que o núcleo tem composição, ligações estruturais ou história muito diferentes dos cometas do nosso sistema — talvez sendo mais resistente ou tendo sido “pré-processado” no espaço interestelar por longos períodos.
A activação do objeto antes do periélio (já detectada) mostra que o objecto está a reagir cedo ao aquecimento solar, o que sugere que ices voláteis estão relativamente perto da superfície ou que existe estrutura de grãos/poeira que facilita a perda de material.
Pressões a que está exposto e possíveis efeitos de aceleração ou fragmentação
Ao aproximar-se do Sol, 3I/ATLAS está sujeito a várias forças/efeitos: radiação solar (aquecimento, sublimação de gelo), pressão do vento solar (empurrando partículas livres), gradientes térmicos entre a face solar e a “sombríssima”, possíveis stresses mecânicos internos (devido a aquecimento diferencial) e até tensões de maré se passar muito próximo.
A sublimação de gelo gera jatos de gás e poeira que podem provocar reacção (força de empuxo) sobre o núcleo — isto pode levar a mudança de velocidade ou orientação (o que é raro ver em objetos interestelares). Se o jato for forte e direccional, a aceleração poderá modificar a trajetória ou induzir rotação/inclinação.
Se 3I/ATLAS acelerar ainda mais — ou seja, perder mais massa orientada de modo que o núcleo “ganhe impulso” — poderemos observar variações de velocidade ou de trajetória que nos informam sobre a distribuição de massa interna e da composição.
Se o objeto se fragmentar ou desintegrar (o que acontece em cometas vulgares quando passam demasiado perto do Sol ou têm estrutura fraca), então o estudo da fragmentação seria altamente valioso: revelaríamos camadas interiores, composição, como reagiu à aproximação solar. E se não se fragmentar, isso por si só seria um dado impressionante sobre a sua resistência.
Para o nosso sistema solar: embora 3I/ATLAS não represente uma ameaça, o que a sua observação nos traz é a possibilidade de entender a diversidade de corpos que passam pelo nosso sistema — ou seja, que a nossa visão de “cometa típico” pode estar incompleta. Se objectos interestelares como este forem mais comuns do que pensávamos, isso implica que o nosso sistema pode estar a ser atravessado por “visitantes” regularmente, o que dá pistas para a formação de outros sistemas e para o intercâmbio de material interestelar.
O que poderá implicar para o sistema solar e para a ciência
Do ponto de vista científico, 3I/ATLAS oferece uma amostra natural de matéria de fora do nosso sistema solar — antes de podermos enviar missões a estrelas próximas, temos aqui quase uma “missão de oportunidade” para caracterizar químicas diferentes.
Se encontrarmos sinais de materiais ou processos não vistos nos cometas do nosso Sistema Solar (por exemplo, composto de gelo diferente, proporções de voláteis alteradas, estrutura interna diferente), isso poderá alterar a nossa compreensão de como cometas e planetesimais se formam em ambientes distintos.
A vantagem é que este objecto não vai permanecer — ele está de passagem. Isso torna a janela de observação limitada, e por isso cada dia de observação conta.
Para o sistema solar “que conhecemos”, o impacto direto é mínimo (não vai colidir nem alterar planetas). Mas a perceção muda: percebemos que o nosso sistema pode não estar isolado, que pode haver troca de objectos interestelares, e que as estratégias de “defesa planetária” ou de “exploração de cometas” têm que considerar que nem todos os cometas vêm da nossa vizinhança.
Em último caso, se muitos objectos deste tipo passarem, eles poderiam transportar material (orgânico, gelo, poeira) de outros sistemas — levantando questões sobre panspermia (transmissão de matéria entre estrelas) ou sobre a “biblioteca galáctica” de objectos.
O 3I/ATLAS é um visitante raro, com origem provável fora do nosso sistema solar, que nos dá uma janela preciosa para observar como corpos interestelares reagem à nossa estrela, ao nosso ambiente e ao nosso sistema solar. A sua aproximação ao Sol, o aquecimento, a aceleração possível pelos jatos de gás/poeira, a composição química rica em CO₂ e a eventual fragmentação ou resistência fornecem um laboratório natural único.
Para o visitante terrestre e para os nosso caros leitores, pode-se concluir que este objecto não vem para colidir, mas para ensinar — e isso torna-o extraordinariamente relevante.


